Posicionamento do VIVA sobre projeto de conformidade tributária enviado à Alesp
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O Projeto de Lei Complementar que institui o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – “Nos Conformes”, colocado em regime de urgência para deliberação da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, é motivo, para a classe dos Agentes Fiscais de Rendas, de muita expectativa e apreensão.
A Afresp, por intermédio do Movimento VIVA, foi chamada a pronunciar-se a respeito da proposta inicial, colocada em consulta pública, e respondeu a isso convocando o grupo de representantes escolhidos por seus pares durante as Rodadas Regionais realizadas nos meses de fevereiro e março deste ano, para fazer a análise e, sendo o caso, elaborar proposta alternativa sanando as inconsistências e inadequações eventualmente verificadas, fato que acabou acontecendo e que resultou na proposta encaminhada e publicada no site do Movimento VIVA no dia 23 de agosto.
Dessa forma,
Considerando a extensão dos efeitos que tal proposta deverá provocar, tanto nos trabalhos internos de Administração Tributária quanto nos seus reflexos sobre o comportamento individual de cada AFR e de toda a classe;
Considerando o alcance da proposta e seus impactos sobre o desenvolvimento das atividades da Administração Tributária do Estado de São Paulo, cujos desdobramentos nem sempre são evidentes;
Considerando a natural insegurança que a expectativa de mudança provoca entre os integrantes da classe;
Considerando que a própria Associação, por intermédio do Movimento VIVA, teve participação em boa parte do conteúdo da proposta ora apresentada;
Considerando que a proposta ora levada à apreciação da Assembleia Legislativa, se tem muitos pontos em comum com a que foi elaborada pelo Movimento VIVA, tem, da mesma forma, muitos pontos de divergência, inclusive com aspectos que não foram trazidos à avaliação do grupo de trabalho criado na Afresp;
Considerando que a Afresp é uma entidade de classe que tem responsabilidade sobre a segurança e o futuro dos seus mais de 7.000 associados, Agentes Fiscais de Rendas ativos e aposentados,
Temos a esclarecer o que segue:
- O Movimento VIVA somente aceitou a convocação para pronunciar-se a respeito da proposta da Lei da Conformidade Tributária porque concorda com os princípios que a norteiam e com seu propósito de “criar condições para a construção contínua e crescente de um ambiente de confiança recíproca entre os contribuintes e a Administração Tributária”. O Movimento VIVA nasceu da convicção de que não haverá fortalecimento da Administração Tributária e da classe fiscal sem o reconhecimento de que estas têm que estar inscritas numa cultura de prestação de serviço público, afastando-se do paradigma do “mero combate ao ilícito”, tal como está declarado na Carta das Terras Altas;
- As condições para fazer a análise da proposta e participar de qualquer um dos seus desdobramentos foram:
a. A participação coletiva de todo o grupo de representantes, conferindo legitimidade e qualidade técnica aos trabalhos por ele apresentados;
b. A manutenção de uma relação de transparência e lealdade entre o grupo e a administração fazendária, sem interesses outros que não o aperfeiçoamento da proposta; - Tal como se apresentava originalmente, tratava-se de um Projeto de Lei que dispunha sobre a “transparência dos Critérios de Conformidade Tributária do Estado de São Paulo”, com escopo reduzido e que, na avaliação do grupo, continha problemas “graves” que exigiam uma efetiva intervenção, seja para alterar, para aperfeiçoar, ou mesmo para suprimir alguns pontos da proposta. Para mencionar alguns dos problemas mais agudos, a proposta do Movimento VIVA suprimiu a criação de Comitê de Garantia de Estabilidade na Aplicação da Legislação Tributária (CGEALT); extinguiu contrapartidas que davam salvaguardas para que maus contribuintes pudessem se manter indefinidamente nas categorias de classificação mais elevadas. Além disso, propôs a introdução de mecanismos que visavam a dar maior consistência técnica ao projeto, ora flexibilizando e aperfeiçoando os critérios de classificação, ora ampliando o leque de contrapartidas, de forma a tornar a conformidade tributária mais atraente para o contribuinte recalcitrante.
- O Movimento VIVA entendeu que o escopo do Projeto de Lei não poderia ficar limitado à questão da “transparência dos critérios de conformidade tributária”, mas teria que transformar-se num Programa de Estímulo à Conformidade Tributária, cujos reflexos deveriam atingir não apenas os contribuintes, mas também a própria organização fazendária, sua cultura e sua estrutura organizacional. Dessa forma, a criação de critérios para a segmentação de contribuintes teria necessariamente que vir acompanhada de um conjunto de ações e projetos complementares com o objetivo de dar efetivo suporte à proposta.
- O Movimento VIVA entendeu que uma proposta como essa não poderia ter sucesso se não contribuísse para o fortalecimento institucional da Administração Tributária e que a melhor forma para que isso ocorresse seria dotá-la de uma Lei Orgânica, recomendando para isso a elaboração e o encaminhamento da Lei Orgânica da Administração Tributária do Estado de São Paulo.
- A versão que se seguiu à apresentação da proposta do Movimento VIVA, que foi também levada à consulta pública, muito embora tenha incorporado muitas das sugestões do grupo de trabalho, apresentou, na visão do grupo, inconsistências que foram objeto de um relatório crítico, também publicado no site do VIVA. Nessa proposta, além da reorganização do texto e de mudanças no conteúdo original, foi acrescentado um capítulo que tratava de um “Regime Especial para Devedores Recorrentes”, cujo conteúdo, no entender do grupo, embora relevante, apresentava um caráter francamente repressivo que não se coaduna com as definições de um Programa de Estímulo à Conformidade.
- Para nosso espanto, a versão ora apresentada à Assembleia Legislativa apresenta um “Capítulo VI – Dos Incentivos ao Desenvolvimento do Programa”, que define regras para contemplar o servidor fazendário com auxílio pecuniário destinado a indenizar deslocamentos extraordinários demandados em função das atividades acrescidas em decorrência de seu desenvolvimento e implementação.Em nenhum momento, nos diversos encontros ocorridos entre o grupo de trabalho do Movimento VIVA e a Administração Fazendária, falou-se em aspectos remuneratórios relacionados com o Programa de Conformidade. Menos ainda, em critérios de remuneração que discriminassem AFRs entre si, ou que exigissem que o auxílio criado estivesse vinculado à adesão individual do AFR. O artigo 19 da proposta enviada à Assembleia Legislativa cria um auxílio pecuniário de caráter indenizatório, ao servidor que expressamente aderir ao Programa. Como se fosse dado ao servidor público renunciar ao cumprimento de comandos estabelecidos pela lei! Por outro lado, a condição estabelecida para o AFR fazer jus ao auxílio parece mais um artifício criado para dobrar a vontade individual ao jugo do administrador do que a efetiva “construção de uma relação contínua e crescente de um ambiente de confiança recíproca entre os contribuintes e a Administração Tributária”. Não pode ser sólida uma relação que se estabelece colocando um jugo com a finalidade de dobrar a vontade de uma das partes e não através do fortalecimento do respeito e da independência que se supõe deva prevalecer entre ambas.Mas, mais do que isso, estranhamente, o artigo 18 da atual proposta permite a participação no Programa de servidores não ligados à Administração Tributária, enquanto que o artigo 19 estende o pagamento de auxílio de caráter indenizatório a qualquer servidor da Secretaria da Fazenda. Ora, o propósito da lei, conforme define seu artigo 1º, baseia-se na relação entre dois atores: contribuintes e Administração Tributária, sendo a presença de outros servidores estranha aos objetivos da proposta.O Movimento VIVA entende que um projeto que se destina a criar novas formas de atuação da Administração Tributária, para que seja efetivo, não pode descuidar de proteger os interesses de ambos os polos da relação a que se refere. Para isso, assim como o projeto destina-se a defender o legítimo interesse do bom contribuinte, de forma a proteger a ética concorrencial, da mesma forma, não pode descuidar do interesse público, estendendo essa atribuição a outros que não possuem competência constitucional estabelecida para tal.Não há como não reconhecer que o problema remuneratório é uma questão de máxima relevância, tanto para cada um dos AFRs isoladamente, como para o bom andamento da gestão da Administração Tributária. O que se questiona é, portanto, antes a forma como a questão foi tratada, sem a desejável transparência e num momento em que a classe se unia em torno de uma demanda que atendia ao anseio de todos.
- Por último, cabe observar que o Movimento VIVA nasceu de um estudo que buscava resposta à crise por que passa a Administração Tributária paulista, o qual apontou as relações causais estabelecidas entre esta e a crise da tributação no Brasil, em particular a do ICMS dos estados. O poder erosivo desta é responsável não apenas por sua crise particular, mas também por acentuar a crise econômica e social que afeta todo o país. Muitos dos aspectos de que trata a proposta do Programa de Conformidade derivam dessa crise. Apesar disso, o Movimento VIVA reafirma que muito embora o impulso em favor da simplificação e da conformidade seja de todo desejável e necessário, ele será sempre insuficiente, tamanha é a deterioração por que passa toda a tributação de bens e serviços no Brasil. E essa mesma deterioração impõe sérias restrições de ordem técnica às ambições do programa de conformidade, como o que está sendo apresentado à Assembleia Legislativa. Tanto o alcance dos seus propósitos quanto a efetividade dos próprios critérios de segmentação devem, por conta disso, sofrer restrições sérias. Em todo caso, na visão do Movimento VIVA, a Lei de Conformidade Tributária não poderá, em qualquer hipótese, substituir o esforço por um modelo de tributação de melhor qualidade, mais simples, mais transparente e que, além de trazer recursos para o Estado, traga segurança jurídica e seja menos oneroso para os contribuintes.