Em artigo veiculado pelo JOTA, o presidente da Afresp, Rodrigo Spada, e o AFR Jefferson Valentin, destacaram a urgência para adoção de uma tributação maior sobre patrimônio e riqueza no país, uma vez que a pandemia de Covid-19 escancarou a cada vez maior desigualdade social brasileira. Os especialistas apontaram desafios e oportunidades para a regulamentação do ITCMD para findar a guerra fiscal entre os estados.
O ITCMD e seus problemas estruturais
Necessidade de tornarmos a matriz tributária brasileira mais racional, inspirada numa agenda de distribuição de renda, está posta.
Diamond Jared, biólogo evolucionário estado-unidense em seu clássico Armas, Germes e Aço, afirma que “as epidemias têm o condão de acelerar processos que estão em curso em uma sociedade”. Então é de se esperar que pandemia de Covid-19 nos force a tirar do papel a evolução da nossa matriz tributária. Os Estados precisam de recursos para enfrentar a crise, mas também precisam desonerar a cadeia produtiva para estimular consumo e produção. Para isso, precisamos reduzir a tributação sobre o consumo e compensar tal redução com tributação sobre patrimônio. Entre as propostas existentes destacamos a ampliação do Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD, pois este teria, além da arrecadatória, a função extrafiscal distributiva, reduzindo o acúmulo patrimonial entre gerações familiares e combatendo a grave concentração de renda e patrimônio que a epidemia escancarou como sendo outro grave problema do Brasil.
Para isso, seria preciso, antes de tudo, através de Resolução do Senado Federal, alterar a alíquota máxima do imposto, que hoje é de 8%, para percentual próximo ao da alíquota máxima do Imposto de Renda. Mas não só. O ITCMD tem problemas estruturais que precisam ser enfrentados com urgência e é preciso aprovar a Lei Complementar, requerida pela Constituição Federal, que regulamentará o imposto, e trará normas gerais que delimitarão institutos jurídicos determinantes como o fato gerador e a base de cálculo. Isso garantiria tratamento isonômico entre os contribuintes nas diversas Unidades da Federação.
Outro grave problema é aquele que diz respeito às heranças e doações envolvendo residência ou inventário no exterior. A jurisprudência dos tribunais superiores, em que pese o § 3° do artigo 24 da Constituição Federal, é no sentido de que os Estados estão impedidos de cobrar o imposto quando o doador residir no exterior ou quando o de cujus possua bens, resida ou tem seu inventário processado em outro país. Nesse cenário previsto, cria-se um privilégio para residentes em outros países e para brasileiros com bens no exterior, e que, comumente, contempla detentores de grandes patrimônios, provocando, de maneira inadmissível, regressividade num imposto, cuja finalidade é distribuir renda.
Há, ainda, problema que envolve inventários extrajudiciais. A Constituição, ao determinar a capacidade ativa do imposto incidente sobre transmissão causa mortis de bens móveis dita que o tributo é devido à Unidade da Federação onde se processar o inventário. Com a introdução no nosso ordenamento jurídico, em 2007, da figura do inventário extrajudicial, o CNJ expediu a resolução n° 35, que afastou a regra do domicílio do de cujus, permitindo que as partes escolham livremente o Tabelião perante o qual se processará o inventário. Ao se fazer uma interpretação literal, o contribuinte é levado a acreditar que pode escolher o destino do imposto pago. Mas, a expressão “local onde se processar o inventário”, que pese a escolha infeliz da Constituição, deve ser interpretada dentro do seu contexto histórico.
A regra de competência para processamento do inventário sempre foi a do foro de domicílio do autor da herança. É nítido que a mens legis do texto constitucional é no sentido de que a capacidade tributária ativa siga a regra do domicílio. Não é admissível que uma Resolução do CNJ tenha poder para alterar a capacidade tributária ativa. Também é inadmissível que o CPC o faça, visto que é lei ordinária e que a tarefa de regular a competência tributária, por meio de normas gerais, é atribuída à lei complementar.
A falta de uma Lei Complementar incomodou pouco até agora, pois, com alíquotas pequenas, a arrecadação do ITCMD é baixa e causa pouco interesse aos Estados. Também, dado o alto custo de um planejamento tributário bem elaborado, poucos são os contribuintes que a ele recorrem.
A necessidade de tornarmos a matriz tributária brasileira mais racional, inspirada numa agenda de crescimento econômico e distribuição de renda, que aproxime o Brasil dos principais países do mundo, está posta. A ampliação do ITCMD apresenta-se como a mais viável alternativa. Mas não basta apenas aumentar a alíquota do imposto, é preciso que se resolvam seus problemas estruturais como maneira de evitar mais uma guerra fiscal entre os Estados e não estimular que os contribuintes criem base patrimonial fora do Brasil. Aumento de arrecadação sem regressividade e sem guerra fiscal, já perniciosas na tributação do consumo, é o que se deve buscar na tributação do patrimônio.